quarta-feira, 14 de maio de 2014

O que faz o brasil, Brasil? - Resenha


MATTA, Roberto Da. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro – RJ: Rocco, 1986. 126p.

Roberto Augusto da Matta, antropólogo, tem como foco de seus estudos a sociedade brasileira. Apresenta em suas publicações a complexidade característica desta nação. Foi professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde foi chefe do Departamento de Antropologia e professor na Universidade de Notre Dame (EUA), onde também lecionou antropologia. Entre suas publicações podem ser citadas Carnavais, malandros e heróis - 1979, Relativizando: uma introdução à antropologia social - 1981, Crônicas da vida e da morte – 2009, entre diversos outros livros e artigos, publicados no Brasil e exterior.

No livro O que faz o brasil, Brasil? Roberto da Matta aborda a questão referente à identidade nacional brasileira, fornecendo instrumentos que colaboram na busca por explicações das relações sociais e culturais existentes, lançando mão de conceitos como os de casa, rua e trabalho, suas relações e reverberações no cotidiano nacional. Proporcionando, como ele mesmo cita em seus escritos, “uma visão da sociedade aberta e relativizada pela comparação”.
No primeiro capítulo, intitulado O que faz o brasil, Brasil? - A questão da identidade, o autor nos apresenta a ideia de dois “brasis” – o brasil, com “B” minúsculo, simboliza o país explorado, enquanto o Brasil, com “B” maiúsculo, representa a nação, seu povo e seu conjunto de valores e ideias. Trata do conceito de identidade, explicando que não basta saber quem somos, e sim, descobrir como são construídas nossas identidades individuais e de que forma isso colabora na construção de uma identidade social nacional. Afirma que nosso posicionamento diante de determinadas situações é o que caracteriza nossa cultura, ao mesmo tempo em que a sociedade guia nossas escolhas. O autor apresenta duas formas de se construir à identidade social moderna, a primeira, de modo quantitativo, onde somos analisados pelo coletivo dentro de um eixo político-econômico; a segunda, qualitativa, uma abordagem mais sensível onde são valorizados aspectos do cotidiano. Por fim, aponta que para compreendermos a complexidade social brasileira é preciso que a analisemos sempre por dois vieses, uma vez que temos a incrível capacidade de agregar e misturar aquilo que é oposto, criando algo único, singular, sem haver a discussão das implicações sociológicas destas miscelâneas.
No capítulo A casa, a rua e o trabalho, Da Matta aponta a evidente divisão entre espaços sociais fundamentais, que rompem a vida social. A casa indica o local com valores morais, “onde nos realizamos basicamente como seres humanos”, no qual “temos um lugar singular numa teia de relações marcadas por muitas dimensões sociais importantes”, entre elas o sexo e a idade. É o espaço de convívio profundo e harmônico, cujo tempo é cíclico. A rua, por sua vez, é o mundo exterior, caracterizada pela competição, pelo anonimato e cujo tempo é marcado pelo relógio. Ambos “são modos de ler e explicar e falar o mundo”, são opostos, entretanto um complementa o outro. A rua também é a mediadora do trabalho, que em nossa sociedade é interpretado como castigo. O autor aponta esta ideia de trabalho como uma herança de nosso sistema escravocrata. Finaliza o capítulo enfatizando as diferenças e semelhanças entre os espaços nos quais “circulamos na nossa sociabilidade”.
As ilusões das relações raciais é o assunto abordado no terceiro capítulo. Partindo de uma citação de Antonil, no século XVIII, o autor lança mão da comparação entre o racismo brasileiro, contextualizado, e o americano, direto e formal, caindo no mito da democracia racial e descontruindo-o, afirmando que nosso preconceito não está apenas na cor da pele, e sim no “status” social.
No capítulo Sobre comidas e mulheres, o autor trabalha o código da comida e seus desdobramentos morais, situando a mulher no meio social. Cita Lévi-Strauss – O Cru e o Cozido – onde o cru seria o que está fora da casa, o que é cruel, duro, isolado, enquanto o cozido é social e permite misturas. Aborda a diferença entre alimento, que mantém a pessoa viva, e comida, que pode ser ingerido com prazer. Ele afirma que a comida define não só as pessoas como também as relações que elas mantém. Relaciona o ato sexual ao ato de “comer”, indicando que nós, brasileiros, percebemos a sexualidade não pelo encontro de opostos, e sim pela absorção, hierarquizando – comedor e comido.
Carnaval, ou o mundo como teatro e prazer é o capítulo que apresenta os acontecimentos extraordinários, que alteram a rotina diária, mostrando o carnaval como uma festa na qual não há hierarquias, sinônimo de alegria e prazer, com data marcada para acontecer. O autor indica que estas festas são uma inversão do mundo, pois permitem a troca de uniformes por fantasias, permitindo a troca de posições, libertando das hierarquias.
Em As festas da ordem o autor faz a comparação entre o carnaval e as comemorações formais, onde a ordem social deve ser mantida e afirmada, através de comportamentos contidos, controle do corpo, sacrifícios e disciplina. Segundo Da Matta o foco está nas autoridades, revelando e ampliando as diferenças sociais existentes, ficando inadmissíveis as trocas de papéis, exceto pela quebra de protocolos.
O modo de navegação social: a malandragem e o “jeitinho” traz à luz nossa adequação entre prática social e o mundo jurídico. O autor aborda o “jeito” como sendo o modo pacífico e legítimo de resolvermos nossos problemas, de conciliar interesses. A malandragem seria outro modo de efetuar esta navegação social, estando a nossa disposição para utilizarmos quando julgarmos necessária.
No capítulo Os caminhos para Deus o autor aponta a necessidade humana em conversar com Deus. Este diálogo em forma de súplica pode ser individual ou coletivo, seja para legitimar as diferenças sociais, responder perguntas insolúveis, ou na tentativa de domesticar o tempo. Ele aborda nossa característica de misturar diferentes crenças na busca por salvação, na busca por um sentido, na nossa esperança por um mundo melhor e mais justo.

De um modo geral, Roberto da Matta procura, neste livro, descrever um conjunto de características que colaboram na constituição de uma identidade nacional, propondo questionamentos acerca dos indivíduos e suas relações sociais. Busca, em alguns casos, perceber as diferenças históricas que conferem a especificidade da sociedade brasileira perante outras. Faz uso de diversas alegorias para exemplificar sua escrita, entre elas ilustrações, citações, músicas.  Entretanto, o autor não ressalta as diferenças culturais existentes dentro deste grande grupo que ele se propõe a analisar. Ele apresenta uma ideia de identidade nacional que não é compartilhada por todos os brasileiros, a de um Brasil onde se valoriza a religião, o carnaval, a boa comida e mulheres, e não a educação, o conhecimento ou qualquer outro valor que agregue um caráter mais intelectualizado à sociedade brasileira.

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