DESCRIÇÃO
O anúncio escolhido,
intitulado Branca de Neve, faz parte da Campanha conhecida como “Conto de
Fadas”, veiculada na revista Veja e
desenvolvido pela agência AlmapBBDO
para o grupo O Boticário, no ano de
2005.
ANÁLISE
PLÁSTICA
É composto por duas páginas,
tendo ao centro – levemente deslocado para a direita – a imagem de uma jovem,
enquanto pela margem esquerda surge uma mão carregando uma maçã, que parece
estar sendo oferecida à modelo.
Ocupado o primeiro plano da imagem,
a fruta ganha destaque também por sua cor, brilho e tamanho. É sustentada por
uma mão bem cuidada, de pele aparentemente macia e delicada, com unhas pintadas
de um vermelho escuro.
Em seguida, nosso olhar é
arrastado para a figura feminina ali presente, cujo olhar causa a sensação de
que ela está encarando, de forma penetrante, o leitor. Enquadrada frontalmente
a modelo veste, possivelmente, um vestido jeans com detalhes em cetim vermelho.
Bem apertado, o decote destaca o colo e apela para o poder de sedução, uma vez
que faz saltar, aos olhos do leitor, os seios da modelo, sem, com isso, parecer
vulgar, pois o modelo “canoa”, bem como o corte da fotografia logo abaixo da
linha superior do vestido, permitem visualizar somente sua parte superior. A
maquiagem utilizada em seu rosto jovem, de pele branca e aparentemente bem
hidratada, é suave, destacada apenas pelo batom vermelho e pelas maçãs do rosto
evidenciadas pelo uso do blush. O cabelo negro, longo e liso contrasta com seus
olhos azuis e são adornados por uma faixa vermelha.
Atrás da modelo há um fundo
que remete ao céu. Tem, na margem superior um tom escuro que vai gradativamente
clareando - de um azul esverdeado até alcançar o branco, nos pés das páginas,
lembrando nuvens.
Logo acima da maçã, na
altura dos olhos da jovem, encontra-se o texto do anúncio escrito na cor
branca. Em letras maiúsculas e fonte relativamente pequena (comparado ao
tamanho das imagens) tem pouco destaque no anúncio, sendo percebido somente
depois do olhar percorrer as duas imagens. Ele traz a mensagem: “Era uma vez
uma garota branca como a neve, que causava muita inveja não por ter conhecido
sete anões, mas vários morenos de 1,80m”. Um segundo texto, no pé da mesma
página, alinhado, pelo centro, com o texto principal, passa quase que
despercebido. Este, também escrito em caixa alta, porém na cor azul, é de um
tamanho ainda menor e informa: “Mais de 2.300 lojas esperando por você.
www.oboticario.com.br I 08000 41 30 11”. E, finalmente, temos, no canto
superior esquerdo da segunda página, o logo
da empresa e seu slogan “você pode
ser o que quiser”.
O anúncio, sem bordas ou
margens, parece contrastar em diversos aspectos. Ao mesmo tempo em que temos a
uma textura áspera no céu e no jeans do vestido, a pele, cabelos e o próprio
cetim nos apresentam o liso. As cores empregadas – azul e vermelho – também
causam certa tensão, que, por sua vez, contrasta com a aparente calma da moça.
No que se refere à
diagramação, percebemos a fuga do modelo padrão de leitura de imagens, que
segue da esquerda para a direita e de cima para baixo. Neste caso, o olhar é
primeiramente direcionado para a maçã, que vai para os olhos da modelo, boca,
busto, sobe para o cabelo para só então visualizar o texto em branco, o logo e o slogan. O texto informativo é notado somente se o anuncio for
contemplado por mais tempo. O olhar, portanto, flui pelas páginas de forma
atípica, mas prende o leitor justamente por esta lógica diferenciada.
ANÁLISE
ICÔNICA
Os contos de fadas
constituem-se como uma importante parcela da Literatura Infantil que,
disseminados pelo mundo, corroboram para uma cultura infantil que transcende
limites geográficos e étnicos. As conhecidas tramas fazem parte do imaginário
de crianças, adolescentes e adultos desde o início do século XVII, quando
escritas por Charles Perrault –
algumas reeditadas pelos Irmãos Grimm dois séculos mais tarde. Estes
contos tem por característica o destaque, a centralidade, de personagens
femininos, são elas fadas, princesas, madrinhas, rainhas malvadas e até mesmo
bruxas.
A Campanha traz personagens
clássicas, explicitamente expostas em seus anúncios, contudo, elas foram
reinventadas, estão mais modernas, despojadas e independentes, transparecendo
uma aura meio fantástica e surreal, assim como as belas princesas das estórias
infantis. Tanto as personagens dos contos quanto as da publicidade exercem
certo encantamento. Sua beleza é objeto de desejo de homens e mulheres. E é por
atingir desta forma a opinião feminina que o mercado publicitário faz uso desta
linguagem.
No anúncio em questão a
modelo nos remete à história da Branca de Neve – sua aparência não deixa
dúvidas. A personagem da campanha d’O
Boticário é encantadora, contudo não aparenta a submissão e a inocência do
conto dos Grimm, pelo contrário, seu olhar baixo e penetrante mostra uma mulher
decidida, independente. A mão feminina que segura a maçã não necessita de
complemento para se fazer entender, representa a rainha má. A maçã aparece com
o mesmo significado que nos é comum: símbolo do pecado, da tentação – da
madrasta por tentar envenenar a moça e da gula da moça que não resiste à beleza
da fruta.
A união das duas imagens –
moça e fruta – faz com que comparemos o conto ao anúncio, assim como a princesa
à uma mulher comum - que pode se tornar tão bela quanto à personagem, despertando
o desejo masculino e a inveja feminina, bastando para isso usarem os produtos
da marca anunciada.
ANÁLISE
TEXTUAL
O texto serve de apoio à
imagem, direcionando o leitor para a linha interpretativa desejada pela
agência. Serve de comparação imediata com um conto de fadas ao estabelecer como
início a expressão “Era uma vez”, nos transporta à história de Branca de Neve
ao afirmar que a garota era ”branca como a neve” e segue comparando ao falar da
inveja que dela sentiam, contudo, esta ideia é rompida quando afirma que ela
conheceu “vários morenos de 1,80m” ao invés dos sete anões. Fica estabelecida,
portanto, uma característica dos homens que conhece, uma vez que os adjetivos
moreno e alto (mesmo que este termo não esteja explícito) nos são tidos como
sinônimos de beleza masculina. (lembrando da música famosa na década de 1980
que dizia: “Moreno alto, bonito e sensual, talvez eu seja a solução dos seus
problemas...”)
Curioso, entretanto, que
esta Branca de Neve anunciada não é submissa aos homens. Ela não é escolhida
por um príncipe, pelo contrário, é ela quem tem o poder de escolher qual dos
“vários morenos de 1,80m” será seu príncipe.
Reforçando a ideia de que
uma mulher comum, que tenha acesso aos produtos da marca, possa também ser uma
princesa, o slogan “Você pode ser o
que quiser” confere ao Boticário e aos seus produtos o status de poção mágica.
O texto em azul é meramente informativo, e de pouquíssimo destaque, podendo,
muitas vezes, passar despercebido. Entretanto demonstra a facilidade de se
encontrar a “Fada Madrinha” em uma das “mais de 2.300 lojas”, pelo site ou pelo
telefone disponibilizado.
ANÁLISE
DO SIGNIFICADO GLOBAL
Branca de Neve, imortalizada
nos livros dos Irmãos Grimm e revivida pelos estúdios da Disney, é a figura
dramática, cujo pai casa-se novamente, após o falecimento de sua esposa e mãe
da personagem, com uma rainha vaidosa, invejosa e má. A madrasta, que não
suporta conviver com a moça, mais bela do que ela, manda matá-la sem sucesso. A
jovem foge e encontra sete anões, que vivem na floresta, com quem passa a
viver. Neste ambiente, tem sua vida ameaçada novamente pela madrasta até ser,
finalmente, salva por um belo príncipe com quem se casa.
No conto dos Irmãos Grimm,
Branca de Neve é descrita como a mais bela, esta característica é motivo de
apreciação – por parte do caçador que não a mata, dos anões que não a enterram
e do príncipe que por ela se apaixona - e inveja – por parte da madrasta
(competição de beleza entre uma mulher mais velha e uma mais nova). Também percebemos como característica a
resignação perante vários acontecimentos narrados – não tem coragem de voltar
ao castelo no qual morava, não enfrenta a rainha e aceita as condições impostas
pelos anões (executar as tarefas domésticas). Além disso, sua pureza e
inocência são outros traços marcantes. Sendo assim, vemos em Branca de Neve um
padrão de feminilidade ainda cultuado por inúmeras pessoas: admirada e amada
por sua beleza enquanto subordinada aos homens e dependente se sua proteção e
zelo.
Toda esta descrição dos
contos de fadas nos leva a perceber o quanto a beleza é valorizada. Contudo,
nas histórias, não é somente o físico que conta, sua índole também é impregnada
de generosidade e bondade. Para as princesas do mundo real somente o mito do
corpo perfeito tem sido estimado. Cabe destacar que este pensamento é uma
construção atual. Antes dos séculos XV e XVI a mulher era considerada um ser
maléfico, demoníaco, considerada inferior aos homens. Seu papel social era
somente servir ao homem e procriar. Com o advento do Renascimento elas adquirem
certo reconhecimento, carregado de lirismo, se aproximam das divindades, ainda
que subordinadas aos homens. A mulher atual surge como ser pensante, com
direitos e deveres que vão além de sua capacidade reprodutiva. Adquirem
legitimidade nos estudos, no trabalho, no direito ao voto, na liberdade sexual.
Sendo assim, percebemos as
princesas dos contos como sendo o segundo modelo apresentado: belas, porém
resignadas. Enquanto isso, as princesas do século XXI, exaltadas pela
publicidade, apresentam as características do terceiro modelo e são a estas
mulheres que se pretende alcançar com a campanha.
Historicamente percebemos
que os cuidados com a pele e corpo eram privilégios daquelas que não
trabalhavam, de famílias abastadas, quadro que mudou radicalmente, pois nos
dias de hoje, com a disseminação de informações dos padrões de beleza – uma
beleza criada com maquiagem e programas de edição de imagens – a busca pelo
ideal feminino tornou-se frenética, indiferentemente do poder financeiro.
Atualmente, independentes e
donas de si, as mulheres compreendem uma significativa parcela consumidora
graças à ascensão social feminina, resultante de sua entrada no mercado de
trabalho. Tornam-se, portanto, alvos de empresas que exploram o infinito
universo feminino em sua busca constante por fórmulas mágicas que permitam a
elas manterem-se jovens e belas. Seu corpo, assim, é instrumento e mercadoria e
a publicidade se apropria destes ideais de beleza tão sonhados criando
personagens que exercem o fascínio nas consumidoras, estimulando o desejo de
serem tais quais as modelos das campanhas. É desta forma que os anúncios
apresentam produtos como sendo “Fadas Madrinhas”, capazes de tornar qualquer
mulher em uma princesa única. A beleza é, portanto, sinônimo de persuasão, com
o único objetivo de se vender um produto.
De caráter puramente
emocional, o anuncio pretende estabelecer um elo entre a instituição e o
consumidor, criando uma identidade – a de uma mulher bela, desejada e decidida,
independente de quais produtos da marca em questão for fazer uso. Destaca-se a
forma como esta modelo se coloca no anuncio – enquadrada do peito para cima – mostrando,
com o olhar, a posição de femme fatale,
sem a nudez e vulgaridade às quais já estamos acostumados, transportando o
leitor para um universo mágico e lúdico.
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