Segue abaixo o link da apresentação do ensaio sobre as prostitutas medievais.
http://prezi.com/dmgk2gjrc_zu/present/?auth_key=1jsg1pn&follow=aspydo0rj2gr&kw=present-dmgk2gjrc_zu&rc=ref-5048208
terça-feira, 18 de novembro de 2014
CONCUBINAS, LIBERTINAS, MESSALINAS, MERETRIZES, PROSTITUTAS
RESUMO:
O
presente ensaio apresenta como tema o estereótipo desviante das prostitutas
durante o período medieval, tendo como recorte, o renascimento comercial e
urbano, ocorrido entre os séculos XI e XV. Esta delimitação deu-se pela
carência de estudos sobre as minorias, principalmente sob a ótica do sexo,
considerado tabu até bem pouco tempo, quando alguns trabalhos elaborados com
profundidade evidenciaram as vivências sexuais da Idade Média. Tem o propósito
descobrir quem eram estas mulheres, suas motivações e como se deu seu convívio
com a sociedade, bem como com as autoridades. Para a pesquisa lançamos mão de
livros e artigos publicados sobre sexualidade e, principalmente, sobre as
mulheres. Formalmente, as prostitutas pecavam, segundo a Igreja, ao praticarem
a fornicação, por outro lado, as necessidades cotidianas não permitiam a
eliminação desta prática.
Palavras-chave:
Prostituição, Sexualidade, Idade Média.
1.
Introdução
Ao longo da história da
humanidade houve períodos de drásticas mudanças, nos quais regras e virtudes
foram questionadas, ecoando em novas opiniões, crenças e padrões de
comportamento. Em cada um destes períodos, o panorama era o da prosperidade econômica
e crescente materialismo. Cada um baseou-se na redescoberta da pessoa, da
personalidade, da individualidade, do autoconhecimento e da autorrealização.
Cada um assistiu a afirmação do ascetismo e do libertismo, concomitante e paradoxalmente,
como meios de autoexpressão. Cada um continha ideias de revolta e rejeição à
ideologia dominante. Entretanto, a todos estes períodos se seguiram outros de
recuo e repressão.
O século XII foi um
destes períodos, caracterizado pela ascensão da religiosidade e também da
sexualidade como formas de expressão, na qual homens e mulheres procuravam a
aproximação com Deus ou maior domínio sobre seus corpos.
As dualidades presentes
na Idade Média - bem e mal, individual e coletivo, ascetismo e erotismo -
oscilam entre extremos em uma sociedade capaz de súbitas explosões
comportamentais. O medo do apocalipse era generalizado. Com isso, o pessimismo
quanto ao futuro das pessoas levava-as à busca por Deus, principalmente em
tempos de crise.
Os séculos XI e XII
ficaram marcados pela revitalização, expansão e criatividade, gerados por
fatores econômicos, políticos e sociais, que, por sua vez, promoveram a
expansão agrícola, o crescimento demográfico e o renascimento comercial e
urbano. As cidades, obscurecidas desde o final do Império Romano, voltam a
ganhar vida. O crescente comércio e a industrialização fazem acender uma nova
camada social, a burguesia. O dinheiro, gradativamente, substitui o sistema de
trocas. A necessidade por conhecimentos intelectuais gera o impulso indispensável
para o desenvolvimento da educação e criação de escolas. Mudam-se as leis, há o
incentivo às artes e arquitetura, incitam novas ideias quanto à religião,
valores e padrões comportamentais.
Esta vida urbana,
fundamentada no dinheiro, produz maior desigualdade social. A Igreja, por sua
vez, luta contra a crescente avareza e ambição dos citadinos, sendo esta uma
das motivações para a reforma do clero, juntamente ao combate às heresias e a
segregação social das minorias, com o propósito de neutralizá-las e
eliminá-las. Seu objetivo é a uniformidade teológica, espiritual e sexual. Inserido
na mentalidade medieval estas minorias tem como traço comum o sexo, entre elas
estão: as prostitutas, os homossexuais, os hereges – que muitas vezes tinham
pontos de vista diferentes em relação ao casamento e ao sexo -, os leprosos –
considerados devassos -, e os judeus – cujos órgãos sexuais diziam-se ser
anormalmente grandes. O crescimento das cidades desenvolveu a atenção aos
problemas sanitários (leprosos), morais (prostitutas e homossexuais) econômicos
(judeus) e religiosos (judeus, bruxos e hereges).
A peste afetou
seriamente a ordem social e a lei, assim como a fome e as guerras, acirrando,
neste contexto, a perseguição às minorias. A criação destes estereótipos negativos
é, segundo Richards, a manifestação das inquietações dos homens, e segue:
(...) as ameaças
à estrutura social estabelecida ou à estrutura ideológica existente provocaram
a criação de estereótipos negativos que corporificavam a ameaça. O estereótipo
nasceu especificamente do contexto social, sua forma e conteúdo sendo ditados
pela sociedade que o produziu. Ele constituía o diferente, e diferença era o
que ameaçava a ordem e o controle.[1]
Logo, podemos concluir
que as diferenças sexuais eram percebidas como doenças, causadas por presenças
maléficas que visavam à extinção da ordem divina. A sociedade medieval
sentia-se ameaçada, moral e fisicamente, do contágio oriundo das minorias, o
que justificava a segregação.
É o estereótipo
desviante das prostitutas - que segundo a mentalidade do período medieval,
estão vinculadas ao Diabo pela luxúria - de quem trataremos neste ensaio. A
delimitação da temática deu-se, basicamente, pela carência de estudos sobre as
minorias, principalmente sob a ótica do sexo, considerado tabu até bem pouco
tempo, quando alguns trabalhos elaborados com profundidade evidenciaram as
vivências sexuais da Idade Média.
Vários são os
questionamentos acerca desta temática, dentre os quais procuraremos descobrir
quem eram estas mulheres? Quais as motivações que as levavam a escolher esta
vida? Como era seu convívio com a sociedade e com as autoridades?
Entretanto, antes de
tratarmos das prostitutas é preciso compreender as atitudes medievais perante o
sexo e a sexualidade. Richards, p.33, aponta como fontes de estudo sobre a
temática três categorias documentais: os teóricos, formados por textos médicos,
teológicos e códigos legais; os práticos, compostos por registros de tribunais
e manuais de penitências da Igreja; assim como os culturais, constituído pela
produção intelectual sob a forma de poesias, prosas e anedotas. Em todos,
percebe-se a força da Instituição Católica, que busca regulamentar e
uniformizar o sexo.
2.Sexualidade
Ao longo da Idade
Média, a Igreja admitia o sexo somente com fins de procriação, e deveria ser
regulamentado pelo casamento. Praticar sexo por prazer era considerado pecado
mortal, não importando se dentro ou fora do casamento, se heterossexual ou
homossexual. A sacralização do casamento envolvia rigorosas regras de conduta,
dentre as quais podemos citar a monogamia e o consentimento do casal. O sexo
era visto como uma obrigação e a mulher exercia papéis secundários, já que a
Igreja pregava que era inferior – por ser criada da costela de Adão – e
diabólica – por fazer Adão ser expulso do paraíso. Desta forma, deveriam
dedicar-se apenas às atividades domésticas e femininas.
Casamento era uma
questão comercial ou política, o amor, um opcional. No século XII discutia-se
muito sobre o amor. Havia o amor por Deus, “apaixonado e quase erótico”[2];
entre homens, sem caráter sexual, baseado no respeito; e o amor cortês, de um
homem para com uma mulher casada. Porém, em nenhum deles via-se expresso o amor
mais erotizado, baseado no prazer sexual, que acabava acontecendo fora do
casamento.
Cabe ressaltar que para
qualquer ato que conduzisse a excitação ou prazer sexual era condenado pela
Igreja, considerado pecaminoso. Os pecados eram ordenados por ordem decrescente
de gravidade: incesto, sodomia, bestialidade, adultério, fornicação e
masturbação. O enfoque, sofisticado e flexível, adotado pela Igreja quando o
assunto é penitencias a pecados sexuais, desenvolveu a definição de estupro
como crime de violência, praticado contra a pessoa – mulheres não casadas,
viúvas e freiras. Entretanto, estuprar uma prostituta não era considerado
crime, pois ela era uma profissional do sexo e devendo sempre consentir.
3.
Prostitutas
Parte integrante da
vida urbana medieval, as prostitutas buscavam seus clientes nas praças,
tavernas, casas de banho e até mesmo nas igrejas. Não podemos deixar de fora, é
claro, os bordéis, localizados nas zonas conhecidas como da “luz vermelha”.
Estas mulheres, por
motivos geralmente semelhantes a qualquer período da História, entravam para a
prostituição por diversos problemas. O mundo das prostitutas, segundo Rossiaud[3],
não é de estrangeiras, tampouco de itinerantes, são mulheres que tem as mesmas
origens dos outros habitantes, são nascidas nas cidades ou vindas do campo,
porém próximo ao meio urbano. Rossiaud aponta a condição destas mulheres:
A miséria, a
fragilidade familiar logo as tornara vulneráveis; para quase todas a
“profissão” começara mais ou menos aos dezessete anos e quase metade delas
tinha sido forçada pela violação; começaram por uma prostituição ocasional,
aliando o trabalho por dia e a própria entrega a um ou a vários operários dos
quais eram concubinas efêmeras ou criadas forçadas. Compradas ou recrutadas
pelas cafetinas, tornavam-se em seguida camareiras dos banhos públicos; depois,
mais cedo ou mais tarde, acabavam no casarão, seja porque as responsáveis pelas
termas não as queriam mais, seja porque eram levadas ao casarão por seus rufiões,
pelas autoridades municipais ou pelas próprias prostitutas.[4]
Neste ponto, cabe
explicarmos o funcionamento dos casarões, “boas casas”, como eram conhecidos
estes bordéis. Nas cidades francesas, principalmente, a prostituição não era
apenas tolerada, e sim, incentivada pela sociedade que preferia ver seus jovens
se satisfazendo com as meretrizes do que estuprando mulheres virgens.
Havia, nas cidades
medievais uma cultura de jovens homens, que vagavam a noite procurando combater
o tédio com jogos, bebidas e brigas, provocando confusões e cometendo estupros
em bando. Estes transgressores invadiam casas, arrastavam as mulheres jovens e
as estupravam. Estas mulheres, muitas vezes esposas e filhas, tinham sua imagem
perante a sociedade “manchada”. Com isso uma conduta sexual, baseada na
prostituição foi se consolidando como prática aceitável para atender estes
homens e reduzir, assim, o número de estupros.
De acordo com Rossiaud[5],
entre os frequentadores, cerca de 75% da população masculinha, estavam homens
de todas as condições, alguns mais prósperos que outros, mas todos em busca de
diversão. Até mesmo clérigos se rendiam aos prazeres carnais com as raparigas. O
autor também destaca que pobres e vândalos não eram encontrados nestes locais,
pois “se paga tanto a moça quanto o vinho”[6].
A Igreja, que associava
o sexo ao Diabo, procurou lidar com a prostituição de forma cautelosa,
utilizando dos mesmos artifícios adotados para com os leprosos,
diferenciando-os da população decente pelo uso de uma marca de infâmia, que
tinha por objetivo segregá-los dos demais. As raparigas também foram varridas
para fora dos burgos, em muitos lugares, definindo e delimitando desta forma,
as zonas da “luz vermelha”.
As emergentes
monarquias nacionais decidiram regulamentar a profissão, como forma de adquirir
maior controle da vida de seus súditos. Estabeleceram normas para bordéis a fim
de ordenar os centros de prazer, de modo a não ofender a dignidade pública. As
autoridades municipais adotaram a ideia. Zonas da “luz vermelha” foram criadas
fora das muralhas, porém a prostituição tendia a se alastrar também para dentro
delas. Isso fez com que, por inúmeras vezes, as regras fossem reestabelecidas,
já que a ordem e moral pública consideravam bordéis e prostitutas como um
perigo. Toques de recolher e encarceramento foram medidas tomadas para frear o
problema, numa vã esperança moralizante. No reinado de Carlos V adotou-se uma
nova política na qual o meretrício ficaria restrito a algumas ruas da cidade e
em determinados horários. Limites frequentemente reiterados pelos governantes e
ignorados pelas prostitutas.
As municipalidades
enfrentaram as mesmas dificuldades. Algumas estabeleceram bordéis de propriedade
municipal, ao longo dos séculos XII ao XV – à medida que foram se estabelecendo
como competências autônomas -, forçando as prostitutas a viver lá, do contrário
seriam expulsas das cidades. Os rendimentos, guardados em uma arca, eram
esvaziados mensalmente pelas autoridades, pagando funcionários, prostitutas e
os cofres públicos.
Richard Trexler[7]
indica que a municipalização ocorreu objetivando combater a homossexualidade
por intermédio do prazer heterossexual. Percebida como um problema do século
XV, devido à baixa populacional gerada pela peste – dando ênfase ao nascimento
de crianças -, a homossexualidade, além de condenada pela Igreja, foi condenada
pelas autoridades que instituíram medidas punitivas para os praticantes. Já
Rossiaud[8]
apoia a ideia de que a municipalização dos bordéis, conforme comentado
anteriormente, visava à segurança pública. Segundo este autor, “um dos
instrumentos da ‘boa polícia’ é a ‘boa casa’”[9].
Enquanto isso, Leah Lydia Otis[10]
afirma que a municipalização dos bordéis ocorreu devido aos rendimentos a serem
colhidos, para regularizar a oferta de meretrizes no contexto pós-peste e,
principalmente, pela crescente reação ao rigor moral. Apesar das divergências,
percebe-se o desejo moralizante e o anseio de normatizar a conduta sexual dos
jovens.
A instituição de
bordéis municipais acarretou na introdução de instituições, financiadas pelos
municípios, com a finalidade de apoiar prostitutas arrependidas ou aposentadas.
A Igreja também acreditava na regeneração destas mulheres, para isso,
estimulava que casassem e abandonassem a profissão. Inclusive casas religiosas
foram criadas com o intuito de tirá-las das ruas.
4.
Considerações Finais
Produto das cidades, a
prostituição cresceu e se expandiu, tornando-se fenômeno social que necessitava
de regulamentação. A cultura, baseada na moral, procedia por estruturas
próprias e suas tensões, orientando atitudes, traçando os limites entre lícito
e ilícito, reunindo os fatores que desenvolveram este modelo social. No final
da Idade Média, entre os anos de 1490-1500, alguns destes fatores
desapareceram, modificando, gradualmente, as atitudes coletivas.
A crescente
desigualdade social avolumou os efetivos do meretrício, proliferação de
mulheres que parecia incontrolável. Em toda a parte fervilhavam as queixas
contra indivíduos itinerantes que desgastam o tecido social. As prostitutas,
antes toleradas, passaram a ser vistas como delinquentes. Bordéis e termas
foram fechados... Contudo, não houve um ataque maciço contra a prostituição.
Gradualmente, a sucessão destas forças convergiu para a extinção da liberdade
de costumes masculinos.
A prostituição consiste
na troca de favores sexuais por dinheiro - sem interesse emocional ou prazer.
Este conceito pode variar de acordo com a sociedade, circunstâncias e também do
ponto de vista da ética e da moral, podendo, algumas pessoas nutrirem significados
bastante distintos.
Para este tipo de
prática - antes percebida como uma brincadeira, na qual os participantes consideravam
as mulheres como deusas e sagradas, que recebiam presentes caros em troca de
favores sexuais - no período medieval, houve a tentativa moral cristã de
eliminar a prostituta do meio social. Paradoxalmente, este ato fez com que as
prostitutas não só tivessem seus ofícios regulamentados, como também fossem
“aceitas” perante a sociedade. Percebemos que a prostituição durante a Idade
Média vai além dos padrões morais – amarrados “a frouxos nós” pelas regras de
comportamento estipuladas pela Igreja.
De lá para cá, cada vez
mais mulheres de todas as cores e credos se lançam neste mercado de trabalho,
vendendo favores sexuais para quem estiver disposto a pagar. A liberdade e a
concorrência nos dias de hoje nos aproxima delas cada vez mais. Elas estão nos
anúncios dos jornais que chegam à nossa casa, nas praças, nas ruas, nas
universidades, tornando o corpo rentável e perpetuando uma profissão que está
longe de ser extinta. E com este olhar para o contexto atual, finalizamos com
as palavras de Carlos Henrique Mascarenhas Pires:
Em Copacabana tem e
faz parte; em Paris tem e é caro; na Floresta Amazônica tem e é perigoso; na
África tem e é muito perigoso; em Cuba tem e é turístico, portanto, em cada
canto do globo sempre haverá uma prostituta pronta para servir seus clientes
com seus amores, seus carinhos e seus cachês e aqui no Brasil o Ministério do
Trabalho reconhece como profissão; portanto, quando você cruzar com uma
prostituta, ao invés de criticá-la ou maltratá-la, lembre-se que isso é crime e
que pode também haver uma pertinho de você, quiçá em sua própria casa, afinal
de contas, prostituta não tem cara, pode ser qualquer pessoa e todas são iguais
a nós, são seres humanos! [11]
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
AVENTURAS
NA HISTÓRIA - São Paulo, SP: Ed. Abril, Edição 95 – Junho 2011, P. 14-15.
LE
GOFF, Jacques. A Civilização do Ocidente
Medieval. Vol. 1, 2. Ed. Lisboa: Estampa, 1995, p. 47-57, 63-64.
______.
A Civilização do Ocidente Medieval.
Vol. 2, 2. Ed. Lisboa: Estampa, 1995, p. 299-308.
______.
Em Busca da Idade Média. 3. Ed. Rio
de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 2008. P. 96-119.
______.
O Apogeu da cidade Medieval. 1. Ed.
São Paulo, SP: Martins Fontes, 1992. 235 p.
______.
Por Amor às Cidades : conversações com Jean Lebrun.
1. Ed. São Paulo, SP: UNESP, 1998. 159 p.
MACEDO,
José Rivair. A Mulher na Idade Média.
4. Ed. São Paulo, SP: Contexto, 1999. 95 p.
PAIS,
Marco Antonio de Oliveira. O Despertar da Europa: a Baixa Idade Média. 10. Ed. São Paulo, SP: Atual, 1999. P.
32-52.
PEDRERO-SÁNCHES,
Maria Guadalupe. História da Idade Média
– Textos e testemunhas. São Paulo, SP: UNESP, 2000. P. 149-190.
PIRES, Carlos Henrique
Mascarenhas. Quem são as novas damas? Abril 2010. Disponível em: http://www.irregular.com.br/cronicas/quem-sao-as-novas-damas-345 Acesso em:
05/06/2011.
RICHARDS,
Jeffrey. Sexo, Desvio e Danação: as
minorias na Idade Média. Tradução: Marco Antonio Esteves da Rocha e Renato
Aguiar , Rio de Janeiro- RJ: Ed Jorge Zahar, 1993, p. 13-52, 121-135.
ROSSIAUD,
Jacques. A prostituição, sexualidade e sociedade nas cidades francesas do séc.
XV. In: AIRÉS, Philippe e BÉJIN, André (org.). Sexualidades Ocidentais. 2ªed. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 93
– 114.
SOUSA, Rainer. A prostituição
na Idade Média. Disponível em: http://www.historiadomundo.com.br/idade-media/a-prostituicao-na-idade-media.htm
Acesso
em: 05/06/2011.
[1] RICHARDS, 1993, p. 30.
[2] RICHARDS, 1993, p. 37.
[3] ROSSIAUD, In: AIRÉS e BÉJIN (org.),
1986, p. 96.
[4] ROSSIAUD, In: AIRÉS e BÉJIN (org.),
1986, p. 97. (grifo do autor)
[5] ROSSIAUD, In: AIRÉS e BÉJIN (org.),
1986, p. 96.
[6] ROSSIAUD, In: AIRÉS e BÉJIN (org.),
1986, p. 96.
[7] TREXLER apud RICHARDS, 1993, p.
131.
[8] ROSSIAUD, In: AIRÉS e BÉJIN (org.),
1986, p. 106.
[9] ROSSIAUD, In: AIRÉS e BÉJIN (org.),
1986, p. 106. (grifo do autor)
[10] OTIS apud RICHARDS, 1993, p.
132.
[11] PIRES, 2010.
De volta
Depois de um tempo distante - primeiro queimou o HD do note, depois um dos meu filhos derrubou-o e quebrou a tela - volto a postar um pouco do que é meu mundo.
Espero que apreciem as novas postagens!
Espero que apreciem as novas postagens!
quarta-feira, 4 de junho de 2014
Reflexões sobre a obra Elogio da Loucura, de Erasmo de Rotterdam
Erasmo de Rotterdam, como ficou conhecido o filósofo humanista Desidério Erasmo, que viveu entre os séculos XV e XVI, cria, em seu livro dedicado ao amigo Thomas More, autor de Utopia, um personagem muito conhecido, porém pouco discutido: a loucura. Escrito originalmente em latim Encomium Moriae e publicado em Paris, no ano de 1511, pelo escritor, filósofo e teólogo, marcou o Renascimento, tornando-se uma das mais célebres obras filosóficas, cujo conteúdo permanece atual.
Encantador, o ensaio sobre a Loucura faz com que realizemos uma jornada a favor de Moria, ou simplesmente, Loucura. Escrita durante a viagem de retorno da Itália para a Inglaterra, em 1509, serviu como distração para o autor, que ao lembrar-se dos estudos com os amigos que iria rever ao chegar a seu destino, percebe a relação entre o nome Morus e Moria – nome dado pelos gregos à Loucura. Erasmo realiza uma obra extremamente descontraída e irreverente, totalmente desprovido da técnica rebuscada e rígida dos filósofos e teólogos de seu tempo. O Elogio da Loucura é considerado um dos mais influentes livros da civilização ocidental e um dos catalisadores da Reforma Protestante.
Erasmo utiliza-se da figura da Loucura como ponto de partida temático, que além de servir de escudo para si mesmo, critica a sociedade europeia, desmascarando hipocrisias sociais e satirizando costumes decadentes.
Construído como um diálogo intensamente provocador, no qual a Loucura, indignada com a abstenção de elogios a seu respeito, decide, por fim, elogiar a si própria e mostrar o quão presente está na vida da sociedade. Descrevendo minuciosamente as ações humanas, ela nos mostra o quão presente se encontra e se mostra fundamental à vida, atraindo a simpatia do leitor. A obra, de cunho filosófico, é uma das mais divertidas de todos os tempos. Inicia com tons satíricos, ganhando, gradativamente, aspectos mais sombrios, na medida em que o autor constrói sua crítica aos abusos da Doutrina Católica, bem como às corruptas práticas ocorridas na Igreja, encerrando com um testamento claro e emocionante dos ideais cristãos.
Ao longo do texto é a Loucura, personificada, quem fala em incisivas e extravagantes imagens e simbolismos, produzindo um verdadeiro monólogo, descrevendo-se a todos os momentos, ressaltando suas qualidades e percorrendo fatos históricos que, na linha de um discurso construído, seriam por ela provocados, manipulados e finalizados. Enquanto a Loucura discursa, o leitor faz uma verdadeira viagem à Mitologia Grega, ao Classicismo Helênico e a diversos episódios da Antiguidade que marcaram a Literatura e o modo de pensar e agir de toda uma sociedade.
O período histórico, no qual Erasmo esteve inserido, certamente concebeu e contextualizou o Elogio da Loucura. Pouco tempo após este ensaio, a Europa viveria a Reforma Protestante, e muitos valores tradicionais, oriundos de dogmas religiosos, viriam a ruir, sendo o próprio autor um dos precursores intelectuais do movimento de reforma, que culminou com mudanças em toda estrutura de crenças e condutas da sociedade. O Elogio da Loucura é um forte apelo à emotividade, um enaltecimento corajoso à libertação dos indivíduos de uma possível “opressão da razão” pelos instintos naturais, uma visão romântica da Loucura em sua expressão mais jovial, como uma verdadeira deusa grega que impulsiona os indivíduos a suportar a vida, ao ímpeto saudável as atitudes, à grande compaixão sobre a natureza humana.
Para a Loucura, a sabedoria é um fenômeno pejorativo, pois cansa, gera sofrimentos e amadurece o indivíduo de forma anormal. Desta forma, a Loucura faz aos homens, apelos incessantes para que façam suas definitivas preferências à liberdade, ao prazer, à flexibilidade, à fuga dos valores tradicionais impostos por um sistema moral - religiosamente rígido e complicado. A loucura se diz habitar o casamento, os filósofos, a ciência, as artes, a religião. Em atitude ousada, diz-se, inclusive, regente de governos, da formação de cidades, das relações humanas, do senso comum. Afirma que boa parte da sociedade se origina graças à presença da loucura: os juristas, ao criar centenas de leis sem se preocupar com a relação que existiria ou não entre elas, estão embebidos na loucura; o aspecto encantador das crianças, que retarda todos a sua volta; a busca do jovem pelos prazeres da vida; a procura incessante por verdades e sabedoria dos filósofos; as tentativas ridículas das mulheres para atrair os homens; a ignorância; a esperança, enfim, tudo isso existe graças a ela, a nada modesta loucura.
A crítica da Loucura defende, em suma, um retorno à simplicidade da Igreja, a reforma de costumes, a luta contra a corrupção, superstição, ritualismos exacerbados e fanatismo. Busca, portanto, a definição de um ideal de paz e tolerância no seio da sociedade. Erasmo não teve a pretensão de atacar ninguém, contudo não foi compreendido, sendo acusado de heresia pelo resto de seus dias. Ninguém escapou (ou escapa) da crítica da Loucura, já que o ser humano, de qualquer época, está sujeito às vaidades do poder, da sabedoria, da riqueza... Podemos perceber, desta forma, que apesar da lacuna temporal que nos separa, o Elogio da Loucura mantem-se relevante, denunciador e provocante nos dias de hoje, evidenciando a consistência de ideias e estrutura, proporcionando ao leitor transitar entre a realidade vivida por Erasmo e sua própria
Ao longo do texto, a Loucura se mostra como a mãe da humanidade, uma vez que ela é a “mola oculta da vida” e ninguém lhe escapa. E é neste tom de brincadeira que Erasmo denuncia problemas reais tais como a ingratidão, a hipocrisia e a intolerância – com grande destaque na obra. Apesar de ser teólogo e cristão, Erasmo promove a crítica à Igreja, colocando a Loucura, inclusive, como regente deste meio, apontando-a como fator explicativo para os conflitos armados nos quais a Igreja se envolve, a cobrança de impostos sobre os fiéis com a finalidade de salvação das almas, o apego material do bispos... Para isso, lança mão de frases de importantes personagens da Igreja, comprovando que a Loucura era aceita por Cristo e religiosos. Ridiculariza a arrogância dos católicos, bem como a pretensão dos protestantes ao reinterpretar o cristianismo, fazendo com que o autor se tornasse uma das grandes expressões do humanismo do período.
O autor também satiriza diferentes condições humanas, como a infância - anunciada como a fase em que falamos e agimos sem pensar, despreocupados com as consequências de nossos atos – e a velhice – quando a loucura faz das pessoas novamente crianças com os delírios e esquecimentos.
sexta-feira, 23 de maio de 2014
Análise de um anúncio de revista... Mulheres
DESCRIÇÃO
O anúncio escolhido,
intitulado Branca de Neve, faz parte da Campanha conhecida como “Conto de
Fadas”, veiculada na revista Veja e
desenvolvido pela agência AlmapBBDO
para o grupo O Boticário, no ano de
2005.
ANÁLISE
PLÁSTICA
É composto por duas páginas,
tendo ao centro – levemente deslocado para a direita – a imagem de uma jovem,
enquanto pela margem esquerda surge uma mão carregando uma maçã, que parece
estar sendo oferecida à modelo.
Ocupado o primeiro plano da imagem,
a fruta ganha destaque também por sua cor, brilho e tamanho. É sustentada por
uma mão bem cuidada, de pele aparentemente macia e delicada, com unhas pintadas
de um vermelho escuro.
Em seguida, nosso olhar é
arrastado para a figura feminina ali presente, cujo olhar causa a sensação de
que ela está encarando, de forma penetrante, o leitor. Enquadrada frontalmente
a modelo veste, possivelmente, um vestido jeans com detalhes em cetim vermelho.
Bem apertado, o decote destaca o colo e apela para o poder de sedução, uma vez
que faz saltar, aos olhos do leitor, os seios da modelo, sem, com isso, parecer
vulgar, pois o modelo “canoa”, bem como o corte da fotografia logo abaixo da
linha superior do vestido, permitem visualizar somente sua parte superior. A
maquiagem utilizada em seu rosto jovem, de pele branca e aparentemente bem
hidratada, é suave, destacada apenas pelo batom vermelho e pelas maçãs do rosto
evidenciadas pelo uso do blush. O cabelo negro, longo e liso contrasta com seus
olhos azuis e são adornados por uma faixa vermelha.
Atrás da modelo há um fundo
que remete ao céu. Tem, na margem superior um tom escuro que vai gradativamente
clareando - de um azul esverdeado até alcançar o branco, nos pés das páginas,
lembrando nuvens.
Logo acima da maçã, na
altura dos olhos da jovem, encontra-se o texto do anúncio escrito na cor
branca. Em letras maiúsculas e fonte relativamente pequena (comparado ao
tamanho das imagens) tem pouco destaque no anúncio, sendo percebido somente
depois do olhar percorrer as duas imagens. Ele traz a mensagem: “Era uma vez
uma garota branca como a neve, que causava muita inveja não por ter conhecido
sete anões, mas vários morenos de 1,80m”. Um segundo texto, no pé da mesma
página, alinhado, pelo centro, com o texto principal, passa quase que
despercebido. Este, também escrito em caixa alta, porém na cor azul, é de um
tamanho ainda menor e informa: “Mais de 2.300 lojas esperando por você.
www.oboticario.com.br I 08000 41 30 11”. E, finalmente, temos, no canto
superior esquerdo da segunda página, o logo
da empresa e seu slogan “você pode
ser o que quiser”.
O anúncio, sem bordas ou
margens, parece contrastar em diversos aspectos. Ao mesmo tempo em que temos a
uma textura áspera no céu e no jeans do vestido, a pele, cabelos e o próprio
cetim nos apresentam o liso. As cores empregadas – azul e vermelho – também
causam certa tensão, que, por sua vez, contrasta com a aparente calma da moça.
No que se refere à
diagramação, percebemos a fuga do modelo padrão de leitura de imagens, que
segue da esquerda para a direita e de cima para baixo. Neste caso, o olhar é
primeiramente direcionado para a maçã, que vai para os olhos da modelo, boca,
busto, sobe para o cabelo para só então visualizar o texto em branco, o logo e o slogan. O texto informativo é notado somente se o anuncio for
contemplado por mais tempo. O olhar, portanto, flui pelas páginas de forma
atípica, mas prende o leitor justamente por esta lógica diferenciada.
ANÁLISE
ICÔNICA
Os contos de fadas
constituem-se como uma importante parcela da Literatura Infantil que,
disseminados pelo mundo, corroboram para uma cultura infantil que transcende
limites geográficos e étnicos. As conhecidas tramas fazem parte do imaginário
de crianças, adolescentes e adultos desde o início do século XVII, quando
escritas por Charles Perrault –
algumas reeditadas pelos Irmãos Grimm dois séculos mais tarde. Estes
contos tem por característica o destaque, a centralidade, de personagens
femininos, são elas fadas, princesas, madrinhas, rainhas malvadas e até mesmo
bruxas.
A Campanha traz personagens
clássicas, explicitamente expostas em seus anúncios, contudo, elas foram
reinventadas, estão mais modernas, despojadas e independentes, transparecendo
uma aura meio fantástica e surreal, assim como as belas princesas das estórias
infantis. Tanto as personagens dos contos quanto as da publicidade exercem
certo encantamento. Sua beleza é objeto de desejo de homens e mulheres. E é por
atingir desta forma a opinião feminina que o mercado publicitário faz uso desta
linguagem.
No anúncio em questão a
modelo nos remete à história da Branca de Neve – sua aparência não deixa
dúvidas. A personagem da campanha d’O
Boticário é encantadora, contudo não aparenta a submissão e a inocência do
conto dos Grimm, pelo contrário, seu olhar baixo e penetrante mostra uma mulher
decidida, independente. A mão feminina que segura a maçã não necessita de
complemento para se fazer entender, representa a rainha má. A maçã aparece com
o mesmo significado que nos é comum: símbolo do pecado, da tentação – da
madrasta por tentar envenenar a moça e da gula da moça que não resiste à beleza
da fruta.
A união das duas imagens –
moça e fruta – faz com que comparemos o conto ao anúncio, assim como a princesa
à uma mulher comum - que pode se tornar tão bela quanto à personagem, despertando
o desejo masculino e a inveja feminina, bastando para isso usarem os produtos
da marca anunciada.
ANÁLISE
TEXTUAL
O texto serve de apoio à
imagem, direcionando o leitor para a linha interpretativa desejada pela
agência. Serve de comparação imediata com um conto de fadas ao estabelecer como
início a expressão “Era uma vez”, nos transporta à história de Branca de Neve
ao afirmar que a garota era ”branca como a neve” e segue comparando ao falar da
inveja que dela sentiam, contudo, esta ideia é rompida quando afirma que ela
conheceu “vários morenos de 1,80m” ao invés dos sete anões. Fica estabelecida,
portanto, uma característica dos homens que conhece, uma vez que os adjetivos
moreno e alto (mesmo que este termo não esteja explícito) nos são tidos como
sinônimos de beleza masculina. (lembrando da música famosa na década de 1980
que dizia: “Moreno alto, bonito e sensual, talvez eu seja a solução dos seus
problemas...”)
Curioso, entretanto, que
esta Branca de Neve anunciada não é submissa aos homens. Ela não é escolhida
por um príncipe, pelo contrário, é ela quem tem o poder de escolher qual dos
“vários morenos de 1,80m” será seu príncipe.
Reforçando a ideia de que
uma mulher comum, que tenha acesso aos produtos da marca, possa também ser uma
princesa, o slogan “Você pode ser o
que quiser” confere ao Boticário e aos seus produtos o status de poção mágica.
O texto em azul é meramente informativo, e de pouquíssimo destaque, podendo,
muitas vezes, passar despercebido. Entretanto demonstra a facilidade de se
encontrar a “Fada Madrinha” em uma das “mais de 2.300 lojas”, pelo site ou pelo
telefone disponibilizado.
ANÁLISE
DO SIGNIFICADO GLOBAL
Branca de Neve, imortalizada
nos livros dos Irmãos Grimm e revivida pelos estúdios da Disney, é a figura
dramática, cujo pai casa-se novamente, após o falecimento de sua esposa e mãe
da personagem, com uma rainha vaidosa, invejosa e má. A madrasta, que não
suporta conviver com a moça, mais bela do que ela, manda matá-la sem sucesso. A
jovem foge e encontra sete anões, que vivem na floresta, com quem passa a
viver. Neste ambiente, tem sua vida ameaçada novamente pela madrasta até ser,
finalmente, salva por um belo príncipe com quem se casa.
No conto dos Irmãos Grimm,
Branca de Neve é descrita como a mais bela, esta característica é motivo de
apreciação – por parte do caçador que não a mata, dos anões que não a enterram
e do príncipe que por ela se apaixona - e inveja – por parte da madrasta
(competição de beleza entre uma mulher mais velha e uma mais nova). Também percebemos como característica a
resignação perante vários acontecimentos narrados – não tem coragem de voltar
ao castelo no qual morava, não enfrenta a rainha e aceita as condições impostas
pelos anões (executar as tarefas domésticas). Além disso, sua pureza e
inocência são outros traços marcantes. Sendo assim, vemos em Branca de Neve um
padrão de feminilidade ainda cultuado por inúmeras pessoas: admirada e amada
por sua beleza enquanto subordinada aos homens e dependente se sua proteção e
zelo.
Toda esta descrição dos
contos de fadas nos leva a perceber o quanto a beleza é valorizada. Contudo,
nas histórias, não é somente o físico que conta, sua índole também é impregnada
de generosidade e bondade. Para as princesas do mundo real somente o mito do
corpo perfeito tem sido estimado. Cabe destacar que este pensamento é uma
construção atual. Antes dos séculos XV e XVI a mulher era considerada um ser
maléfico, demoníaco, considerada inferior aos homens. Seu papel social era
somente servir ao homem e procriar. Com o advento do Renascimento elas adquirem
certo reconhecimento, carregado de lirismo, se aproximam das divindades, ainda
que subordinadas aos homens. A mulher atual surge como ser pensante, com
direitos e deveres que vão além de sua capacidade reprodutiva. Adquirem
legitimidade nos estudos, no trabalho, no direito ao voto, na liberdade sexual.
Sendo assim, percebemos as
princesas dos contos como sendo o segundo modelo apresentado: belas, porém
resignadas. Enquanto isso, as princesas do século XXI, exaltadas pela
publicidade, apresentam as características do terceiro modelo e são a estas
mulheres que se pretende alcançar com a campanha.
Historicamente percebemos
que os cuidados com a pele e corpo eram privilégios daquelas que não
trabalhavam, de famílias abastadas, quadro que mudou radicalmente, pois nos
dias de hoje, com a disseminação de informações dos padrões de beleza – uma
beleza criada com maquiagem e programas de edição de imagens – a busca pelo
ideal feminino tornou-se frenética, indiferentemente do poder financeiro.
Atualmente, independentes e
donas de si, as mulheres compreendem uma significativa parcela consumidora
graças à ascensão social feminina, resultante de sua entrada no mercado de
trabalho. Tornam-se, portanto, alvos de empresas que exploram o infinito
universo feminino em sua busca constante por fórmulas mágicas que permitam a
elas manterem-se jovens e belas. Seu corpo, assim, é instrumento e mercadoria e
a publicidade se apropria destes ideais de beleza tão sonhados criando
personagens que exercem o fascínio nas consumidoras, estimulando o desejo de
serem tais quais as modelos das campanhas. É desta forma que os anúncios
apresentam produtos como sendo “Fadas Madrinhas”, capazes de tornar qualquer
mulher em uma princesa única. A beleza é, portanto, sinônimo de persuasão, com
o único objetivo de se vender um produto.
De caráter puramente
emocional, o anuncio pretende estabelecer um elo entre a instituição e o
consumidor, criando uma identidade – a de uma mulher bela, desejada e decidida,
independente de quais produtos da marca em questão for fazer uso. Destaca-se a
forma como esta modelo se coloca no anuncio – enquadrada do peito para cima – mostrando,
com o olhar, a posição de femme fatale,
sem a nudez e vulgaridade às quais já estamos acostumados, transportando o
leitor para um universo mágico e lúdico.
terça-feira, 20 de maio de 2014
Dante e o Inferno de "A Divina Comédia"
A literatura do período Medieval apresenta,
constantemente, relatos
de viagens a outros mundos, empreendidas de diferentes formas: a pé, a cavalo, de barco, normalmente com um guia ajudando o personagem principal a alcançar seus objetivos, trazendo à luz a
mentalidade deste homem medievo. O
universo era interpretado como um imenso conjunto de símbolos
- forma de expressão máxima do homem da Idade
Média
- a maneira com que ele exteriorizava seus
sentimentos.
O principal livro deste período foi a Bíblia, outras produções
relacionavam-se aos seus textos ou a interpretações.
No contexto medieval, cabe ressaltar que a maior parte da população era
analfabeta, tendo acesso as narrativas bíblicas somente através de pinturas,
mosaicos e vitrais. A partir do reinado de Carlos Magno esta situação começa a
ser modificada através do incentivo às atividades culturais, incluindo educação
e literatura. Assim, juntamente com o renascimento urbano e o surgimento de uma
burguesia, nasce uma obra que perpassou os tempos, e que permanece, até hoje,
atraindo e influenciando a vida de quem a lê. Trata-se de A Divina Comédia,
de Dante Alighieri.
A Florença do século
XIII era caracterizada pela autonomia política e econômica, pois servia de
entreposto comercial, possuía pequenas indústrias e artesanato, berço cultural
da Itália. Encontrava-se assolada por brigas políticas entre o Partido dos
Guelfos, divididos entre Brancos e Negros e o Partido dos Gibelinos. É neste
contexto em que vive Dante, nascido em Florença provavelmente no dia 30 de maio
de 1265.
Dante é letrado no
convento de Santa Cruz e aprofunda-se em Literatura, Retórica e Filosofia na
escola do mestre Bruno Latini. Aos nove anos apaixona-se por Beatriz Portinari,
que casa com um banqueiro e morre logo em seguida, em 1290. Dante, embora não
esquecendo a imagem de Beatriz casta e beatífica, teve outros amores terrenos e
casa-se com Gemma Donati, com quem teve três filhos.
Desenvolve carreira
pública e, como político, tenta apaziguar as facções rivais. É autor de uma
proposta que expulsa da cidade os homens mais violentos das duas facções. O
papa Bonifácio VIII intervém e, com a ajuda de Carlos de Valois, o partido dos
Negros assume o poder. Em 1301, os Negros executam sua vingança, saqueando as residências
dos Brancos e exilando-os.
De 1302 até 1321, ano
de sua morte, Dante, exilado, vaga pela Itália, vivendo de favores, talvez até
mesmo de esmola. Ao longo dos dez últimos anos de sua existência - 1310-1321
- escreve a Comédia. O poema, composto
com base no simbolismo do número três (número da Santíssima Trindade), possui três
partes - Inferno, Purgatório e Paraíso – cada qual dividida em 9 círculos, que
totalizam 27 níveis, conta com três personagens principais - Virgílio, personifica
a razão, Dante, representa o homem e Beatriz, simboliza a fé. Faz, de certa
forma, um “acerto de contas” com seus inimigos, com seus medos e com seu eterno
amor, Beatriz.
Não se tem um consenso acerca do
título Comédia há quem afirme que se
deu por se tratar de uma narrativa que inicia na tristeza e termina com alegria;
por utilizar um estilo simples e linguagem vulgar, em oposição à tragédia,
escrita em latim; ou por se referir ao sofrimento de nossas vidas, em oposição
à alegria e paz do Paraíso, o eterno vislumbre de alcançar a Deus na hora da
morte. O adjetivo “divina” é acrescentado posteriormente, talvez por Boccaccio.
Dante se coloca como personagem e
escreve em primeira pessoa, representando o homem medievo, em busca de
dignidade moral e espiritual, assim como justiça social. Sua narrativa,
apresenta em contraste, traços de um homem moderno, que nega seu passado e
busca na antiguidade clássica seus referenciais. Os personagens que povoam sua
obra são pessoas de seu convívio, personalidades históricas, mitológicas ou
políticos de Florença. Em seu poema, mostra a vida e os vícios da sociedade
italiana da época, assim como a mentalidade, baseada na cosmovisão medieval,
nas concepções filosófica e religiosa.
Se utilizando de alegorias e
significados morais, o poeta pretendia escrever uma obra de doutrina e
edificação, compreendendo o saber de seu tempo, teológico e filosófico. Nele é
apresentada a história da conversão dos homens, que buscam a redenção de seus
pecados, para encontrar Deus. Dante afirma em seu poema que não basta, para o
homem, dizer que se arrependeu de seus pecados, e sim que é preciso ter fé e
ser racional na sociedade do dogma.
INFERNO
“Por mim se vai à cidade das
dores; por mim se vai à ininterrupta dor; por mim se vai à gente condenada. Foi
justiça que inspirou o meu Autor; fui eleito por Poderes Divinais, Suma
sapiência e Supremo Amor. Antes de mim, havia apenas coisas eternas, e eu,
perduro. Abandonai toda a esperança, ó vós que entrais!” (DANTE, p. 19)
A Divina
Comédia estabelece uma hierarquia dos sete pecados capitais, cujas penas
impostas satisfazem a significados simbólicos. O poema fascina pela riqueza de
detalhes quase visuais, pelas dualidades bem e mal, pecado e penitência, amor e
ódio, perfeitamente harmonizados em um clima tenso e soturno.
A narrativa tem inicio com o
poeta perdido em uma “selva medonha”, mostrando claramente como se sente o
poeta, homem de meia idade, exilado, passando por um momento de crise pessoal.
Depara-se, ao tentar sair desta selva, em busca de luz, com três feras: uma
pantera, que possivelmente representa a luxúria ou a cidade de Florença, um
leão, a soberba e o orgulho, e uma loba, a avareza ou também pode ser
interpretada como a cúria romana. Amedrontado, retorna à escura selva,
demonstrando, desta forma, a sucessão de simbologias empregadas ao longo dos
cantos, “ilustrando” suas ideias aos leitores.
A obra tem forte apelo político,
uma vez que os aliados de Dante são colocados no Purgatório ou Paraíso,
enquanto seus desafetos sofrem amargamente no Inferno. O autor evoca questões
da vida pública de sua cidade natal, conflitos políticos e familiares, assim
como suas questões pessoais, como seu grande amor por Beatriz.
No período em que o livro é
escrito começam a serem questionados os abusos de poder da Igreja e seus luxos.
Dante aponta estes comportamentos reprováveis da Instituição Católica, no
século XIV, que hoje ainda se fazem presentes ao noticiarem escândalos ocultos
nos bastidores da Igreja, como os crimes sexuais dos quais alguns membros são
acusados. Entretanto, mesmo percebendo tais faltas da Igreja, Dante mantém-se
fiel a sua religiosidade e sua fé, colocando Judas sendo mastigado por uma das
bocas de Lúcifer, no Nono Círculo do Inferno.
O perfeito delineamento dos
cenários aguça a curiosidade em vê-los representados. Ao contrário do
imaginário atual, que percebe o inferno como um local extremamente quente, o
Inferno de Dante, por vezes é gelado. Desprovido de luz, com furiosos ventos,
poços de sangue, vales de dor e sombras, “rios de águas negras”, “cheiros
pestilentos”... A descrição que o autor nos apresenta é assustadora e ao mesmo
tempo encantadora. Para o homem medieval a luz representa a segurança
psicológica, demonstrando, no livro, o intenso conflito entre o bem e o mal, presente
na mentalidade do período.
Os personagens que habitam os
versos ao extraídos da Antiguidade Clássica, sejam eles personagens históricos
ou figuras mitológicas, demonstram o conhecimento e a admiração do poeta por
aquele período. Seria por acaso a escolha de Virgílio, poeta grego que escreveu
Eneida, admirado por Dante, como guia?
Curioso destacar que no Canto IV,
Dante acorda, depois de atravessar o rio Aqueronte, na barca conduzida por
Caronte, no Primeiro Círculo do Inferno, onde ficam as almas que viveram uma
vida de virtudes, ou seja, não pecaram, porém, por não receberem o batismo. O
castigo destas almas é viverem eternamente torturados pelos desejos frustrados.
Neste círculo o autor coloca os poetas, filósofos e pensadores gregos – Platão,
Sócrates, Virgílio -, que mesmo admirando-os, não pode colocá-los no Paraíso,
demonstrando, assim, sua submissão aos princípios cristãos. Chamamos este
círculo de Limbo, recentemente exterminado pela Igreja Católica, abrindo
caminho para um questionamento fundamental: Para onde foram, portanto, as almas
que habitavam o Limbo?
O Canto seguinte traz Minos,
filho de Zeus, que após a morte desce ao Inferno, onde se torna juiz dos
mortos, avaliando suas culpas e sentenciando-os, enviando para o círculo
correspondente. Ele fica na porta do Segundo Círculo, no qual se encontram os
luxuriosos, que, segundo Dante, são as “sombras que o amor conduzira à
sepultura”. Cleópatra, Helena, Aquiles e Tristão são punidos aqui neste círculo
desprovido de luz. Seus espíritos são lançados, incessantemente, de um lado a
outro por fortes ventos. Mesmo punindo-os Dante sente por eles certa compaixão,
pois, na Idade Média, o sexo era aceitável somente através do matrimônio, para
fins de reprodução, ficando qualquer outra prática condenada ao Inferno.
No Terceiro Círculo os gulosos
são condenados a ficarem deitados sob forte chuva de granizo, água e neve,
tendo por características serem gélidas, escuras, impuras, pesadas e de odor
pestilento. Os condenados são aqui vigiados pelo cão Cérbero, que furioso
escancarava suas três bocarras e despedaçava, com suas garras aguçadas e seus
olhos vermelhos, as almas. Em alguns períodos Medievais a escassez de alimentos
fez com que a gula se tornasse um pecado mortal, digno de punição no Inferno.
Os avarentos e os pródigos se
encontram no Quarto Círculo, condenados a carregarem pesados fardos e a se
chocarem, incessantemente, enquanto gritam uns aos outros “Por que dissipar?” e
“Por que gastar?”. Neste círculo Dante coloca alguns papas, cardeais e clérigos,
que, desprovidos de identidade, terão as mãos fechadas ao ressuscitar ou quase
nada de cabelos. Podemos visualizar estes pesados fardos no filme “Os Fantasmas
de Scrooge” (2009), adaptação para o cinema do clássico “Um Conto de Natal”, de
Charles Dickens, onde Ebenezer Scrooge - milionário, mesquinho, que só pensa em
dinheiro - é avisado por seu falecido sócio, e também avarento, Joseph Marley,
que terá o mesmo destino que ele: carregar pesadas correntes para toda a
eternidade.
Em pântano de águas negras e
ferventes, sombras vagam nuas, cobertas de lodo, flagelando-se com unhas e
dentes, pagando pelo pecado da ira. O rio Estige, cujas águas imundas abrolham
ondas de suspiros, é atravessado pelos poetas na barca de Flégias, ao
percorrerem o Quinto Círculo. Neste círculo o autor pune Filipe Argenti, seu
adversário político na cidade de Florença, mergulhado na lama, que tal qual um
porco, revolta-se e dilacera-se em feroz loucura.
Passadas as portas da cidade de
Dite, cujas muralhas de fogo guardam as esferas mais profundas do Inferno e seus
mais graves pecados, penetram no Sexto Círculo, onde os que cometeram heresia e
seus seguidores, padecem em túmulos ardentes, que abertos, deixam escapar
gemidos e dores dos que ali se encontram. Aqui Dante conversa com Farinata,
outro adversário político, pertencente ao Partido dos Gibelinos.
O Sétimo Círculo, reservado aos
violentos, é subdividido pelo autor em três partes. No primeiro fosso, estão os
ladrões, assassinos, agressores, cujos espíritos permanecem mergulhados em um rio
de sangue fervente, uma alusão ao pecado cometido, ou seja, sangue com sangue
será punido. São guardadas pelo Minotauro e pelos Centauros, que disparam
flechas quando as almas sobem à superfície. No segundo recindo estão os que
cometeram violência contra si próprios e contra seus bens. Por rejeitarem o
próprio corpo em vida, os suicidas são transformados em árvores, servindo de
alimento para as Harpias, que provocam dores e sofrimento. Por entre eles,
correm nus, os espíritos dos dissipadores, caçados por negras e ferozes
cadelas. Os espíritos do terceiro recinto são os que cometeram violência contra
Deus, contra a arte ou natureza, seu castigo é permanecer sob incessante chuva
de fogo. Alguns permanecem deitados, outros sentados, enquanto um terceiro
grupo caminha sem parar. São os sodomitas, condenados na Idade Média por suas
práticas sexuais transgressoras aos princípios cristãos, demonstrando a
mentalidade do homem medieval e os paradigmas norteadores da religião católica.
Entretanto, este recinto é povoado por alguns clérigos, explicitando o
descontentamento do autor em relação à Igreja, pois o exílio imposto a ele
deu-se graças à oposição de um papa.
O Oitavo Círculo, também subdividido,
é onde pagam os que pecaram pela fraude. Encontram-se neste círculo os
simoníacos, que por negociarem relíquias divinas, estão condenados a ficarem de
cabeça para baixo, com os pés em fogo. Podemos imaginar quantas pessoas
atualmente deveriam povoar este recinto, uma vez que a religião tornou-se um
meio de enriquecimento pessoal, não diferindo muito da Idade Média, quando a
Igreja fez uso de seu poder dito como divino para ampliar seus recursos? Também
neste círculo estão os mágicos e adivinhos, cujas cabeças, voltadas para as
costas, permitiam ver somente o que ficou para trás, penitência por tentarem
prever o futuro. Os hipócritas, por sua vez, revestiam-se com pesadas túnicas
de chumbo dourado – falso dourado representando as mentiras espalhadas em vida.
Os falsários, estendidos no chão de um dos dez recintos, padecem cobertos de
lepra, um dos piores tormentos do homem medieval, que assola a Europa,
inclusive, no período no qual Dante escreve a obra.
No último Círculo do Inferno ficam
os traidores. Curioso salientar que este espaço é descrito como frio, coberto
de gelo que mais se parece com vidro. Podemos associar isto aos gélidos
corações de seus ocupantes, ou ao clima europeu, no qual o frio castiga
plantações e difunde a peste. Lá estão encravados no gelo aqueles que traíram
pessoas do próprio sangue, amigos, chefes e benfeitores. Lá se encontra Lúcifer,
o belo anjo de luz, agora feio. Contava com três rostos, um vermelho, um
amarelo e negro como fuligem. Devora em cada uma de suas bocas um traidor,
Judas, Brutus e Cassius, considerados, por Dante, os maiores traidores da
História, dignos de serem castigados pessoalmente pelo próprio Demônio.
A obra de Dante pode ser
interpretada como o simbolismo em busca de Deus, em busca da fé, empreendida
por um homem que se encontra nitidamente confuso e desolado. Não há como negar
o sentido moralizante que o autor imprime em sua narrativa, suas ideias,
baseadas nos princípios cristãos, que levam os leitores a refletirem acerca da
vida que escolheram viver. Com isso, alguns questionamentos são impostos,
conscientes ou não, como a eterna pergunta da humanidade se há ou não vida após
a morte? Se há, como deve ser? Até que ponto nossas atitudes influenciam aquilo
que vem depois? Como é, de fato este Lúcifer, que no imaginário de Dante possui
três cabeças e nos dias atuais é representado por um homem geralmente elegante
e bem vestido? Qual a capacidade de almas deste Inferno, visto que é um local
escavado no solo? Há possibilidade de expandi-lo?
De qualquer forma, A Divina Comédia sobrevive ao tempo,
seja por seus personagens históricos, seja pela criatividade empregada na
narrativa. Continua exercendo profundas influências em pintores, poetas,
músicos e cineastas, atraindo adultos e crianças.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALIGHIERI,
Dante. A Divina Comédia. Tradução de Fábio M. Alberti. Porto Alegre,
RS: L&PM, 2006, 334p.
FRANCO
JÚNIOR, Hilário. A Idade Média: Nascimento do Ocidente. 2ed., São Paulo, SP: Brasiliense,
2006, 201p.
Site:
Cola
da Web. Disponível em: http://www.coladaweb.com/resumos/a-divina-comedia-dante-alighieri
Acessado em: 24/04/2011.
Site:
Wikipédia.
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Dante_Alighieri
Acessado em: 24/04/2011.
Site:
Netsaber.
Disponível em: http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_1851.html
Acessado em: 24/04/2011.
Site:
Portal
São Francisco. Disponível em: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/dante-alighieri/dante-alighieri.php
Acessado em: 24/04/2011.
Direção:
Robert Zemeckis. Os Fantasmas de Scrooge. Título original: (A Christmas Carol).
EUA, 2009, 96 min, Animação.
Assinar:
Postagens (Atom)